As novas regulamentações e a tributação das casas de apostas (bets) no Brasil

A regulamentação e tributação das apostas esportivas no Brasil: Perspectivas históricas, impactos e desafios tributários

Nos últimos anos, o cenário das apostas esportivas, ou bets, tem ganhado destaque significativo no Brasil. Com o avanço da tecnologia e o crescimento exponencial do mercado digital, as plataformas de apostas online se tornaram extremamente acessíveis, atraindo milhões de brasileiros em busca de uma nova forma de entretenimento e, eventualmente, de lucros. Diante desse cenário, surgem importantes questões quanto à regulamentação e tributação dessas atividades, com impactos diretos tanto no âmbito jurídico quanto econômico.

Este artigo tem como objetivo analisar o panorama histórico das apostas no Brasil, discutir os desafios regulatórios e, especialmente, explorar as questões relacionadas à tributação, um tema essencial para entender as implicações e o potencial de arrecadação de um setor que se encontra em franco crescimento.

1. Contexto histórico das apostas no Brasil

Historicamente, o Brasil sempre manteve uma postura conservadora em relação às apostas. A proibição de jogos de azar, incluindo as apostas esportivas, remonta ao Decreto-Lei 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), que vedou, de forma ampla, a prática desses jogos no território nacional, com exceção de loterias oficiais e corridas de cavalo, reguladas pelo governo.

Esse ambiente de proibição prevaleceu até 2018, quando o Brasil começou a dar os primeiros passos em direção à regulamentação das apostas esportivas. Com a sanção da Lei 13.756/2018, o mercado de apostas esportivas foi legalizado, embora ainda carecesse de regulamentação detalhada. Esse marco representou uma mudança fundamental na legislação, reconhecendo o potencial econômico das apostas e abrindo caminho para um modelo de exploração controlada dessa atividade.

Todavia, a regulamentação efetiva desse mercado permaneceu em suspenso até 2023, quando o governo federal finalmente avançou com medidas mais concretas.

2. A regulamentação das apostas esportivas no Brasil

Em 2023, o governo brasileiro, por meio da Lei 14.790/2023, conhecida também como “Lei das Bets”, regulamentou oficialmente o mercado de apostas esportivas, estabelecendo parâmetros para o funcionamento legal das plataformas de apostas e definindo os requisitos necessários para a obtenção de licenças. A regulamentação trouxe consigo exigências sobre a integridade das competições esportivas, responsabilidade das operadoras em proteger os consumidores e regras sobre a publicidade voltada a esse setor.

O decreto também visou aumentar a segurança jurídica, proporcionando às empresas de apostas um ambiente de maior previsibilidade, o que tem incentivado a entrada de novos players no mercado. Por outro lado, também buscou atender a questões sociais, impondo medidas para prevenir a ludopatia (vício em jogos) e proteger os mais vulneráveis.

A regulamentação tem evoluído continuamente com a publicação de novas portarias que definem regras para o setor. A Portaria nº 615, de 16 de abril de 2024, introduziu diretrizes rigorosas para os meios de pagamento utilizados pelas casas de apostas, com o intuito de aumentar a segurança e a rastreabilidade das transações financeiras. Entre as principais normas, destaca-se a proibição do uso de dinheiro em espécie, boletos bancários, cheques, criptoativos e cartões de crédito para aportes e saques. A partir dessa regulamentação, apenas Pix, TED ou cartão de débito serão aceitos como meios de pagamento.

Ainda, as empresas do setor têm um prazo de seis meses para se adequarem, durante o qual todas as transações devem ser realizadas entre contas de instituições autorizadas pelo Banco Central (BC). Além disso, a Portaria estabelece que os prêmios de apostas devem ser pagos no prazo máximo de 120 minutos após o término do evento relacionado à aposta. A exigência de uma conta transacional exclusiva para as empresas de apostas visa impedir a confusão entre os fundos dos apostadores e os recursos próprios das empresas, o que também será controlado por meio de uma reserva financeira mínima de R$ 5 milhões, a ser constituída em uma instituição autorizada pelo BC.

Outro ponto de destaque na regulamentação é a obrigatoriedade do uso de tecnologia de reconhecimento facial para o cadastramento dos apostadores, conforme disposto na Portaria nº 722, de 2 de maio de 2024. Essa medida visa garantir que apenas maiores de idade possam participar das apostas, além de facilitar a fiscalização de práticas ilegais nas plataformas. O reconhecimento facial, amplamente utilizado no setor financeiro, oferece uma camada adicional de segurança, prevenindo fraudes e garantindo a integridade do ambiente digital das apostas.

O governo também está implementando normas rigorosas voltadas à prevenção da lavagem de dinheiro, controle de riscos, jogo responsável e transparência nas operações das empresas de apostas. A Portaria nº 143/2024, por exemplo, estabelece a obrigatoriedade de as empresas de apostas avaliarem o risco dos seus clientes e comunicarem atividades suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Já a Portaria nº 207/2024 especifica os critérios técnicos para o funcionamento de jogos online, incluindo limites para apostas e a necessidade de informar aos usuários sobre o tempo de uso e os valores apostados e perdidos.

Além disso, as novas regras impõem que as empresas de apostas tenham sede no Brasil para patrocinarem equipes esportivas e proíbem campanhas publicitárias que sugiram o jogo como uma forma de ascensão social, com ênfase em propagandas feitas por influenciadores digitais. A Portaria nº 233/2024 também prevê a suspensão de jogadores com risco de dependência.

3. Reflexos tributários das apostas esportivas

No entanto, além da regulamentação técnica e operacional, um dos pontos mais relevantes – e talvez mais complexos – desse processo está na tributação das atividades de apostas, tanto para as empresas quanto para os apostadores.

A tributação das apostas esportivas envolve dois grandes eixos: o tratamento tributário das empresas que exploram essas atividades e a tributação dos ganhos dos apostadores.

3.1. Tributação das empresas

As empresas de apostas que atuam no Brasil, desde a regulamentação de 2023, estão sujeitas a um conjunto de tributos que incidem sobre as suas atividades, incluindo:

  • Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ): Incide sobre o lucro líquido das empresas.

  • Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL): Tributo devido pelas empresas, incidindo sobre o resultado contábil ajustado.

  • PIS/Cofins: Contribuições sociais que incidem sobre a receita bruta das operadoras.

  • Imposto sobre Serviços (ISS): Tributo municipal que pode ser aplicável às atividades desenvolvidas no território de um determinado município.

Com a regulamentação das apostas no Brasil, a tributação sobre as atividades de apostas online também foi minuciosamente definida, visando a arrecadação de recursos que serão direcionados para setores estratégicos da sociedade. De acordo com as novas regras, as empresas deverão destinar 18% do Gross Gaming Revenue (GGR) ao governo. O GGR corresponde à receita bruta das apostas, deduzidos os prêmios pagos aos jogadores e os impostos incidentes sobre as pessoas jurídicas.

Esse percentual será distribuído entre diversos setores, com a seguinte destinação específica:

  • 2,55% para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP): Esses recursos serão utilizados para ações de combate à manipulação de resultados nas apostas, à lavagem de dinheiro e a outros crimes que possam ocorrer nesse setor.

  • 0,82% para a educação básica: Esses fundos visam apoiar o desenvolvimento da educação no país, uma área prioritária para o governo.

  • 1,63% para os clubes esportivos: Com o intuito de fortalecer o esporte no Brasil, essa parcela será direcionada diretamente aos clubes, auxiliando no financiamento de suas atividades.

  • 10% para a seguridade social: Esse montante será destinado ao sistema de seguridade social, que engloba a previdência, a saúde e a assistência social, promovendo o bem-estar da população.

  • 3% para o Ministério do Esporte: O órgão governamental responsável pelo desenvolvimento de políticas esportivas também receberá parte da arrecadação, com o objetivo de fomentar ações relacionadas ao esporte em todo o país.

Após a destinação desses percentuais, os 82% restantes do GGR ficarão com as operadoras de apostas, representando sua parcela de retorno pelas operações no país.

3.2. Tributação dos ganhos dos apostadores

Os ganhos obtidos pelos apostadores em plataformas de apostas também estão sujeitos à tributação, uma questão que, até recentemente, era pouco explorada devido à ausência de regulamentação específica. Agora, com a regulamentação em vigor, os ganhos líquidos (ou seja, o valor do prêmio menos o valor apostado) estão sujeitos ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), à alíquota de 30%, respeitada a isenção de R$ 2.112

Essa tributação segue a mesma lógica aplicada às premiações de loterias, como a Mega-Sena. O imposto é retido diretamente pela operadora da aposta no momento do pagamento do prêmio, o que simplifica o processo de arrecadação, mas impõe uma carga tributária significativa ao apostador.

Vale ressaltar que, para evitar a bitributação internacional, o Brasil mantém acordos com alguns países para mitigar o impacto do imposto de renda sobre prêmios recebidos por residentes no exterior.

4. Impactos econômicos e sociais das apostas esportivas

O mercado de apostas esportivas no Brasil tem o potencial de gerar receitas substanciais para o governo, tanto através da tributação direta das empresas quanto da tributação dos prêmios pagos aos apostadores. Além disso, a formalização e regulamentação do setor visam atrair investimentos estrangeiros, uma vez que muitas das maiores empresas do mundo nesse segmento são sediadas fora do país.

O aumento da arrecadação, por sua vez, pode ser revertido para áreas prioritárias, como segurança pública e programas de incentivo ao esporte, contribuindo diretamente para o desenvolvimento social e econômico do país.

No entanto, é preciso considerar os impactos sociais dessa atividade. A popularização das apostas pode trazer riscos associados à dependência e ao endividamento de indivíduos, especialmente entre os mais jovens e as classes menos favorecidas. Daí a importância de um rigoroso controle estatal e da adoção de práticas responsáveis por parte das operadoras, que devem ser obrigadas a implementar mecanismos para mitigar os danos sociais decorrentes do vício em jogos.

5. Desafios futuros

Ainda que a regulamentação tenha avançado significativamente nos últimos anos, o Brasil enfrenta desafios substanciais na implementação de um modelo de tributação que seja eficaz e justo. As questões que envolvem a tributação de ganhos e a arrecadação para estados e municípios demandam uma maior articulação entre os entes federativos.

Além disso, o país deve observar as melhores práticas internacionais, considerando as plataformas globais que operam no Brasil e que frequentemente estão sediadas em paraísos fiscais. A evasão fiscal pode representar um problema para o país se não houver uma fiscalização adequada e um marco regulatório que impeça a fuga de capital para outras jurisdições.

6. Conclusão

A regulamentação e a tributação das apostas esportivas no Brasil são temas complexos, mas de extrema relevância no cenário econômico atual. A formalização do setor promete gerar impactos positivos em termos de arrecadação e atração de investimentos, mas exige que o governo e as autoridades fiscais sejam diligentes na fiscalização e na implementação de políticas tributárias adequadas.

Além disso, é essencial que se mantenha um equilíbrio entre os interesses econômicos e a necessidade de proteção dos cidadãos, evitando que as apostas se tornem um problema social generalizado. O sucesso da regulamentação e da tributação dependerá, em grande parte, da capacidade do governo de conciliar esses interesses de maneira eficiente e justa.

Victor Bertocco

Victor Bertocco

Formado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2015), sou pós-graduado em Direito Tributário pela mesma instituição e em Direito Digital e Proteção de Dados pela Escola Brasileira de Direito. Durante minha trajetória acadêmica e profissional, aprofundei meus estudos em consultoria estratégica, compliance tributário e contencioso fiscal. Morei no exterior por um período, onde tive uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida e aprofundei minha fluência na língua inglesa, incluindo cursos voltados à aplicação do idioma no universo jurídico.

Sou entusiasta de tecnologia e temas como Privacidade, Proteção de Dados e Transformação Digital no Direito. Atualmente, sou fundador do Bertocco Consultoria Jurídica Estratégica, escritório voltado à assessoria jurídica tributária, e co-fundador da Gango Tech, uma startup inovadora que busca fortalecer o ecossistema de esportes e incentivar hábitos mais saudáveis por meio da tecnologia e recompensas. Além disso, nas horas vagas, escreve artigos sobre conteúdos da atualidade e que estão envolvidos de alguma forma com jurídico-tecnológico.

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